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Pela casa de António Machado
Pequena, fria, não se poderia considerar bem uma pensão, mais uma casa de hóspedes. Os dias eram de neve, o que ainda enchia mais da cor branca do tempo aquela hora que terei ali estado, entrando por uma espécie de mini-livraria. É para visitar a casa?, perguntou-me uma senhora já bem entrada nos cinquentas. Efectivamente, deu-me uns auriculares, que não funcionavam lá muito bem, mas não dei importância, que só de chegar ali me chamava o silêncio. Primeiro na humilde cozinha, para se instalar definitivamente na sala de jantar, a quem chamam o comedor. Era um silêncio povoado de memória, de livros. Memória extensão de vidas inteiras. Memória chamamento à mesa das comidas, ao silêncio da solidão partilhada, dos que antes estavam, dos que depois se vão. Cristalizaram-se os tempos, como se desenrolaram pensamentos, conversas, afectos, dores de criação, alegrias mais profundas que a dor. Do tempo, que é sempre uno com uno, um tempo a cada momento, presente que de imediato passa a passado, futuro que se torna presente… tic-tac, tic-tac, tic-tac, há algo de muito profundo a ser dito em nos relógios de parede, a sinalizar cada unidade, o tempo a conta gotas, ao sabor das horas, dos dias, das épocas, o tempo que não é todo igual, como os momentos não são todos iguais.
Ali, no silêncio, podemos encontrar o tempo em seu próprio espaço: é dia de neve. A mesa humilde em tudo grandeza, as coisas como elas…