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ESCRITA CRIATIVA
Quando as sinto a crepitar, é algo em mim que diz escreve, está pronto a sair. Então começo a escrever. Uma atrás da outra. Palavra atrás da palavra. Recomendo que o façam, mesmo que não achem nada para escrever. Não se preocupem. As palavras encontram-nos. Façam o exercício. Palavra atrás da palavra. Palavra atrás da palavra atrás da palavra: palavra. Uma atrás da outra atrás da outra: palavra. Nem vão acreditar no que vos irá acontecer. Voltem a não se preocupar. No fim terão sempre o julgamento. Mas não pensem nisso agora. Só quando acabarem. Vá. Larguem as palavras. Por amor, larguem, larguem as palavras. Larguem as palavras e logo verão. Verão que saem e não vão parar de sair. Algo de nós crepita nelas, pelas palavras, acredita, crepita, acredita, crepita, crepita… É como a lava de um vulcão a ferver? Não se preocupem. É porque estão a ir no bom caminho. Por vezes assim nascem ilhas, montanhas, cordilheiras, mais tarde cidades, pessoas, animais, fantasmas… Não é nenhum milagre o que nesse fogo se adivinha, não: as palavras existem! Repararão bem que elas já tinham nascido antes mesmo de terem sido concebidas, muito antes mesmo de terem sido descobertas. Todas essas palavras antes escritas e agora escritas e reescritas, quem sabe, poderão gerar novas palavras, outras palavras que os outros, quem sabe, farão dali novas palavras. As palavras são todas elas criação em movimento: palavras filhas, palavras pais, palavras mães, palavras amigas, palavras inimigas, palavras estrangeiras, palavras passadas, palavras extintas, palavras esquecidas… Os que as ignoram não sabem: todas as palavras vivem seus instantes no incompreensível infinito oceano cósmico. Passaremos por lá no exercício seguinte.
Publicado em Estrada dos Prazeres, Letras Paralelas, 2017.
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