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CENA DE TABLAO

Pedro Góis Nogueira
3 min readJan 31, 2021

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O palco está ali, à esquerda, ao virar da esquina. O cortinado puxado para dentro anuncia a hora. Lua Aires, enquanto arranja um sapato que se descalçou, combina o brilho da sensualidade com as cortinas. Abana ligeiramente a coxa, o pé preparado para a dança. Entrada. O público, de pé, aplaude com fervor. A sala está apinhada, uma atmosfera cálida de festa já se instalou. O ardor do momento aproxima-se.

O Flamenco envolve o corpo de Lua, entrando por seus poros, pela pele. Ela sente um arrepio nesses instantes, como se a tomassem forças ancestrais. Olhada pelo tempo até ao mais remoto, onde as vistas se perdem e tudo se torna impronunciável.

Aqui vamos pouco mais de mil anos atrás ali, mas nada disto conta no silêncio interior além que Lua Aires absorve. Nesse lugar dentro dela mesma cá fora encontra-se o rio Guadalquivir e as planícies andaluzas a perder de vista como um longo tablao.

Lá fora, no presente, o público em êxtase: homens que lhe veneram o corpo, em movimento a beleza que corta. Pausa, a realidade volta: BRAVO! BRAVO! BRAVO! Lua Aires sente-se plena, mas interrompida, quer mais, mais, dançar, voltar ao momento, ao sentimento, bailar, bailar, bailar até morrer se for preciso, dançar tão alto até sobrevoar a própria morte.

A vibração acentua-se, intensifica-se. Frémitos sensuais evocam danças passadas em redor de fogueiras…

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Written by Pedro Góis Nogueira

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